quinta-feira, 26 de março de 2009

Cape Epic...mais que uma prova uma experiência física e espiritual. By Mario Roma

Este ano Mário Roma teve a oportunidade de poder ser escolhido entre jornalistas de todo mundo para falar sobre a Cape Epic no Guia de Competidores (Ride Guide) uma revista de 56 paginas entregue a todos participantes da Cape Epic e encarte na maior revista de bike na África o Sul a Ride Magazine agora que já foi publicado, podemos apresentar a todos o texto em português.

 

Cape Epic...mais que uma prova uma experiência física e espiritual.
Texto: Mário Roma


Meu primeiro contato com a Cape Epic foi em 2003 através da amiga Sonja Güldner-Hamel, quando recebi um email para correr uma prova que atravessava a África,e a primeira coisa que veio em minha mente foi "Leões", como pedalar 900 km, com 16000 m de subidas e 12 micro climas, de bike  em um Pais um tanto misterioso.
Minha primeira participação foi em 2005, quando cheguei em Kysna e fiquei impressionado com a quantidade de atletas  de inúmeras nacionalidades, que circulavam pela cidade e entre eles poderia facilmente cruzar lendas do MTB como Bart Bendgnes e jovens aspirantes a campeões mundiais como Cristoph Sauser entre outros. A cada passo que dava, a organização ia me surpreendendo em vários detalhes, como por exemplo quando me entregaram 4 chipes, sendo um para usar no tornozelo para os tempos de prova, o segundo no formato de um relógio que permitia acesso as áreas   exclusivas, como refeitório entre outros, o  terceiro era no saco  em qual levaria minhas roupas e suplementos para os próximos oito dias e o quarto estava na placa de numeral para uso do bike park.


Finalmente chegou o dia crucial da largada numa manhã  de sol ao   som da voz do Mike, que ninguém nunca mais esquece apos correr a Cape Epic. Largamos em direção a Spier  que seria 900 km de muita adrenalina e emoção. Apos cruzarmos a primeira etapa deparei com uma cidade, de pequenas barracas amarelas, super planejada, com toda a infra-estrutura necessária, bike wash, chuveiros, banheiros, um Cyber Café, enfermaria, uma operação digna de uma logística militar, um verdadeiro acampamento da época das cruzadas onde os cavaleiros tinham trocado seus cavalos pelas mais diversas maquinas de duas rodas.


Um dos momentos mais incríveis que vivi em uma bike foi na Cape Epic 2005 quando apos vencermos um temível Monster Climing chegamos ao topo onde as nuvens estavam abaixo de nós e o céu azul refletia no mar de nuvens ao nosso redor, um momento que sem duvida dá o credito ao nome Epic...


Em um dos jantares no qual recebemos uma esplêndida carga de carboidratos servido por um resort de cinco estrelas, fomos informados que iríamos cruzar uma reserva, com os Big Five, que significa leões, leopardos, rinocerontes, elefantes e búfalos, isso mesmo, essa era a torcida que nos esperava para nos cumprimentar na beira da estrada, seria a primeira vez que uma prova de mountain bike iria cruzar a Sanbona Wildlife Reserve no coração do Little Karoo.Na entrada do parque fomos cumprimentados pelos Rangers armados, a atenção se redobrou e vários Rangers eram vistos na estrada que estavam monitorando os animais, no ponto de água os Rangers comentaram que os leões estavam a 250 metros, observando a estranha manada humana passando.Foi um dia onde a emoção e o medo se misturava.


A cada dia a organização nos impressionava com o extremo cuidado que tinha com todos pilotos, a equipe Delta de resgate sempre presente com seus pontos de apoio e suas motos quadriciclos que nos cruzavam no máximo de 30 em 30 minutos, áreas de apoio onde os voluntários faziam de tudo para nos servir, o sorriso  de todos os staff que nos cercavam, estava estampado na cara de todos a satisfação de participar em uma prova desse nível, seria isso o Tour de France do MTB?
Em uma outra das muitas aventuras nesse ano foi quando meu parceiro sofreu uma queda e quebrou o blocante traseiro, imaginem-se no meio da África sem um blocante! Resolvi descer a montanha onde estávamos e procurar uma solução enquanto ele caminhou lentamente carregando a bike, ai conheci mais  uma personagem da Cape Epic, Steve Thomas organizador do Epic Trippers, grupo de bikers que percorre o mesmo trajeto a velocidade que quer e a quantidade de quilômetros,e ao contar a minha situação ,Steve logo me respondeu, claro leva o meu, e ai retornei e vencemos mais um desafio.


Terminamos em Spier onde uma festa para mais de mil pessoas nos aguardava ao som de bandas locais e o cheiros das mais diversas culinárias Sul Africanas, todos estavam impressionados com estes 8 dias únicos.
A Cape Epic uma prova em duplas , seu parceiro é uma extensão virtual de você e com a perspectiva vital de terminar este desafio impressionante, você pode também deixar uma de suas próprias partes do corpo para trás na prova. Se seu parceiro sofre, você sofre demasiado. Se um de vocês não faz o 'tempo limite' , então nenhum de você completam.Se uma das duas bicicletas falha, nenhum de vocês estará classificado como Finisher. A prova solda dois companheiros da equipe juntos como um casamento de oito dias com um único objetivo, levar os dois corpos esgotados até a linha de chegada, juntos como se fosse um só!


Tenho como habito não fazer a mesma viagem duas vezes, o mundo é tão grande e com tantas belezas que uso esse método como regra, mesmo tendo em meu passaporte uma volta ao mundo de barco a vela, mas como toda regra existe exceção, voltei a Cape Epic em 2007,pois estava intrigado e com uma saudade doentia daqueles dias na África do Sul. Já fiz  muitas outras ultramaratonas, mas a Cape Epic era como me sussurrasse constantemente no meu ouvido vem...como uma sereia do MTB.
Março 2007 e lá estava eu de novo em Kysna a cidade inteira já estava tomada por 1206 competidores de 43 países se misturando entre a elite mundial de MTB e diversas lendas vivas, como Tom Ritchey, Bart Brentjens, Thomas Frischknecht .Era comum ao se virar ver aqueles que só vimos em revistas e agora na mesma fila ou na mesma roda de conversa as verdadeiras maquinas do MTB como: Christoph Sauser, Karl Platt, Roel Paulissen ,José Hermida, Ralph Naf, uma lista gigante e eclética de personalidades de todas as áreas de ciclismo do mundo, como o campeão mundial de downwill Greg Minnaar, o vencedor do Race Across América Solo 5000km de pedal, campeão europeu de X Terra, campeão Sul Africano de Speed e por ai vai esse cardápio de loucos por bike com um só fim... cruzar a África do Sul em 8 dias escalando 18000 mil metros e pedalando 900km.Estavam presentes, televisões, repórteres um verdadeiro circo do MTB mundial, e me perguntava, só passou um ano? Onde vai parar esta prova?


Fiz a inscrição e recebi meu Start Kit é nesse momento que realmente você se sente na prova e aquela sensação de emoção e receio se fundem em uma só. “Agora não tem retorno”. Terminado o dia em um grande jantar no restaurante Marios de um amigo italiano em uma mesa com 15 pessoas de 4 países, muito macarrão e um bom vinho tinto Sul Africano acompanhado de diversos brindes e desejos de boa sorte.


Desta vez estaria correndo na categoria Máster ao lado de um atleta profissional, era a maneira que eu tinha visto para viver a Cape Epic de uma nova perceptiva.


Primeira mudança com que me deparei foi que as tendas laranja tinham mudado de cor, agora vermelhas, mas os colchões confortáveis estavam lá, só que tinha dobrado a quantidade e uma equipe de mais de sessenta alunos montava e desmontava a Cape Epic City todos dias,imaginem as coisas que anteriormente pareciam perfeitas, tinham melhorado mais ainda, pois entre cada etapa a organização oferecia apoio mecânico, fazendo assim que mais pessoas conseguissem terminar a prova vencendo os problemas mecânicos.


O espírito esportivo permanecia da mesma forma e a qualquer momento você via equipes se ajudando.
Largávamos e poderia se ver Thomas Frisnek batendo fotos do pelotão, Jose Hermida fazendo graças, parecia que aqueles pilotos ídolos de inúmeros bikers que só vemos nas revistas e correndo no circuito mundial XC eram crianças se divertindo em uma prova local de MTB, essa imagem só pode presenciar na Cape Epic. Mais uma novidade nas áreas de apoio, para alem de frutas,coca cola gelada,isotônicos de diversos sabores, as coisas tinham melhorado mais ainda, pufs e ventiladores atendiam os pilotos que vinham nos próximos pelotões.


Era bom a noite repor as calorias podendo comer o maximo que você agüenta e dia seguinte voltar a rotina da Cape Epic, deixar a bike para lavar com as crianças locais no bike wash, repor as energias,retirar a mala do caminhão, marcar uma barraca (em bom local,nem perto das oficinas devido ao barulho dos geradores funcionando toda noite para cuidar das bikes de todos nem perto dos banheiros o qual as batidas das portas com mola se sentiam durante todo a noite), tomar banho, fazer a revisão da bike no bike park e descansar antes do jantar entre as 18:00 as 19:00 hs, no retorno ao acampamento abastecíamos as caramanholas que ficavam gelando do lado de fora da barraca e dormir em torno das  21:00 hs para acordar ao som da buzina de um caminhão às 5:00 hs, essa é rotina de um Cape Epic Rider por 8 dias.


Em 2007 um dos momentos raros foi poder pedalar durante uma etapa junto com o carismático Christoph Sauser, onde em algum lugar do mundo um simples mortal poderia passar uma tarde pedalando junto com um piloto  desse nível, descobrimos algo em comum: a paixão pela Cape Epic e o fascínio pela África do Sul, a cada equipe que cruzávamos a cara dos pilotos era algo inesquecível, como ele poderia estar ali, seria ele mesmo... quando ele cumprimentava as pessoas era como uma injeção de animo e realização penetrasse em cada um deles.


As duas ultimas etapas que fiz na Cape Epic 2007 não esqueço nunca,pela sétima vez a buzina tocou as 5 da manhã e mecanicamente caminhávamos para o café da manha o qual a cada dia era mais difícil de engolir, voltávamos para as tendas para pegar a mala e passar a vaselina cheiro que se fazia sentir no ar,um dos cheiros mais tipos da Cape Epic, a cada dia que passa todas essas tarefas vão ficando mais lentas. O penúltimo dia nos levava até Kleinmond. Chegamos na praia com um mar azul de fundo e a espuma branca das ondas se movimentando em direção a praia, entramos na areia  e atravessamos uma ponte sobre o rio e cruzamos a linha de chegada um final com chave de ouro em um local lindo, sentamos em uma mesa de frente para o mar e  Christoph Sauser se juntou a nós e  resolvemos todos tomar uma cerveja comemorando esse clássico dia de MTB. Vimos a chegada dos nossos amigos em um ambiente descontraído e inesquecível para todos. O jantar já foi em clima de festa e comemoração. Estávamos a poucas horas do ultimo dia e todo mundo foi deitar mais tarde, o Epic Pub estava cheio e brindes eram constantes.


Ultima etapa que fiz foi de 80 km para o fim em Lourensford e “só” mais 1565m desnível acumulado, largamos as 8 da manhã, esperávamos uma etapa rápida e fácil mas o “Dr. Evil” apelido dado a  Leon Evans que desenha todos anos o percurso da Cape Epic não nos deu descanso nem no ultimo dia, entre duas fortes subidas, um carrega bike (obrigatório carregar a bike no ombro caso contrario poderia ser desclassificado) através de uma descida pela histórica trilha de carroças Gamtou Pass, mais um trilha de trem e finalmente uma trilha no meio de um pinhal ate ao enorme campo de Pólo Club onde uma multidão nos esperava e retirei minha bandeira Luso Brasileira companheira de diversos desafios, do meu bolso traseiro a ergui e deixei a emoção nos levar ate a bandeirada final após 900 km e 18000m de subidas duas vezes mais que o Everest.
Cape Epic terminou para mim em 2007 mas ainda viajo pelos lugares que passei, as pessoas que conheci e ainda sinto o gosto bom de “missão cumprida”, registrada para nunca mais sair e servir como base para confirmar que somos capazes de realizar coisas que nos parecem, num primeiro instante, impossível, porem com força de vontade, dedicação e perseverança tudo se torna possível e realizável.


Único erro que vi ser cometido pela organização foi o nome do livro lançado em 2008 sobre a Cape Epic "Guts & Glory" a meu ver deveria ser "Kevin Guts our Glory" sem duvida não podemos esquecer o idealizador de todo este projeto Kevin Vermaak, um personagem calmo e sempre disponível para falar com todos no meio desse Tsunami de adrenalina, Kevin é uma pessoa que mudou não só o MTB na África do Sul mas sim o curso das ultramaratonas no mundo, levando nosso esporte preferido a um outro nível, sendo televisionado em todo mundo, atraindo novos patrocinadores não envolvidos em direto com o MTB como Absa Bank, marca esportivas mundiais como Adiddas, Kevin conta com uma forte equipe que trabalha longas horas, dias e meses para que a nossa satisfação seja realizada no maior nível profissional possível.
Já percorri maior parte das maiores stage races no mundo.


A Cape Epic é uma festa de Mountain Bike na África do Sul. Poder passar uma semana pedalando,falando de bikes,conhecendo outros mountain bikers de todo mundo e uma oportunidade única de poder conhecer e ver um campeão olímpico ou mundial, até mesmo você poder sentir essa sensação por uma semana são pedalando,dormindo e comendo.
Cape Epic  é composta das lendas, os lugares, os povos e das situações. Pessoas que através da barreira da dor terminam com raça mas sempre com um sorriso, lugares que nós nunca nos esqueceremos como Mont Eco, Grootvadersbos e Groetlandberg, e situações, a dinâmica da equipe, a camaradagem, os pelotões em torno de você durante as longas horas no selim sobre oito dias. Estas são as histórias da Cape Epic e podem ser contadas com orgulho a quem tiver um pouco de tempo para escutar... Você tem que experimentar a Cape Epic para acreditar!


Imaginem onde estou agora...no meio de todos vocês para minha terceira Cape Epic!
Para ver o formidável guia abra este link:http://www.ride.co.za/sites/ride.co.za/files/Absa%20Cape%20Epic%20Ride%20Guide%202009%20-%20Ride%20Website.pdf

 


 

 

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